08 Julho 2015
De pé, em meio a um milhão de pessoas reunidas num parque em comemoração ao grito de independência e autodeterminação dado há 200 na América do Sul, o Papa Francisco pediu, nessa terça-feira (7), a união entre os povos da região e pela rejeição de todas as formas de autoritarismo.
Com palavras contundentes dirigidas diretamente ao povo deste subcontinente durante uma missa a céu aberto, o papa relacionou a proclamação cristã da fé com a luta centenária dos equatorianos para acabar com a exploração dos recursos naturais e deles próprios.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 07-07-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em uma homilia centrada na intensa oração que Jesus fez a Deus na noite antes de sua morte – quando orou pela unidade dos seus discípulos e de todos os que eles iriam evangelizar –, o papa convidou os presentes a se unirem nesta oração cristã e a continuarem na luta pela liberdade da América Latina.
“Imagino aquele sussurro de Jesus durante a Última Ceia como um grito nesta Missa”, disse Francisco, mencionando que a celebração estava sendo realizada em um parque em comemoração à Declaração de Independência do Equador, feita em 1809, a primeira do continente na era colonial.
Esta Declaração, disse o papa, “foi um grito, nascido da consciência da falta de liberdade, de estar a ser espremidos e saqueados”.
“Eu gostaria que hoje os dois gritos coincidissem sob o belo desafio da evangelização”, prosseguiu o Papa. “Não a partir de palavras altissonantes, nem com termos complicados, mas que nasça da ‘alegria do Evangelho’”.
“Aqui reunidos à volta da mesa com Jesus, somos um grito, um clamor nascido da convicção de que a sua presença nos impele para a unidade”, disse Francisco.
Com base na noção cristã de unidade na diversidade, o papa disse que a fé “afasta-nos da tentação de propostas unicistas, mais parecidas a ditaduras, a ideologias ou a sectarismos”.
“A proposta de Jesus é concreta: é concreta. Não feita de ideias”, disse ele em seguida à multidão, acrescentando ao seu texto preparado. “É concreta!”, continuou o pontífice, fazendo referência à parábola do Bom Samaritano, onde Jesus diz simplesmente: “Ide e fazei o mesmo”.
Estas palavras de Francisco podem ser interpretadas com um significado especial por alguns no Equador, que levantaram preocupações sobre o governo do presidente Rafael Correa, o qual, dizem eles, tem atuado nos últimos anos de forma autoritária.
Nos dias antes da chegada do papa ao país no domingo, milhares de equatorianos foram às ruas para protestar contra o governo. Eles se reuniram durante a noite para permitir às pessoas que se juntassem à manifestação depois do horário de trabalho, quando bloqueavam ruas e pediam por mudança.
O papa falou na nessa terça-feira (7) no Parque Bicentenário de Quito, onde uma multidão se reuniu para participar de sua segunda missa ao ar livre nesta sua viagem de três dias ao Equador. Muitos passaram a noite no parque, resistindo à chuva e ao frio por uma oportunidade de ver o papa.
Alguns também vieram de países vizinhos, com inúmeras pessoas vindo da Colômbia especialmente para a oportunidade.
Francisco está visitando o Equador como parte de uma viagem que contará também com uma ida à Bolívia na quarta-feira antes de seguir para o Paraguai, na sexta-feira.
O papa também celebrou uma missa para cerca de 1 milhão de pessoas na segunda-feira em Guayaquil, cidade portuária do Equador a cerca de 400 km ao sudoeste de Quito.
As declarações do papa dessa terça-feira estiveram permeadas por um convite a um grito unificado, tanto pela independência regional quanto por um estilo de vida cristão, em que se doa si mesmo livremente.
Embora vivamos “num mundo dilacerado pelas guerras e a violência”, disse Francisco, os cristãos devem trabalhar pela unidade em todos os campos da vida.
“É precisamente a este mundo desafiador, com seus egoísmos, que Jesus nos envia”, disse o papa. “E a nossa resposta não é fazer-nos de distraídos, argumentar que não temos meios ou que a realidade nos supera. A nossa resposta repete o clamor de Jesus e aceita a graça e a tarefa da unidade”.
Ao fazer referência ao legado do parque no final da sua homilia, Francisco disse: “O nosso grito, neste lugar que lembra aquele primeiro grito de liberdade”.
“É tão urgente e premente como o daqueles desejos de independência”, disse ele. “Possui fascínio semelhante, tem o mesmo fogo que atrai”.
O papa, em seguida, falou de uma revolução cristã, exortando os presentes a darem a si mesmos livremente.
“‘Dar-se’ significa deixar atuar em si mesmo toda a força do amor que é o Espírito de Deus e, assim, dar lugar à sua força criadora”, disse Francisco.
“Dando-se, o homem – ou a mulher – volta a encontrar-se a si mesmo com a sua verdadeira identidade de filho de Deus, semelhante ao Pai e, como Ele, doador de vida, irmão de Jesus, de quem dá testemunho”, disse ele.
“Isto é evangelizar, esta é a nossa revolução – porque a nossa fé é sempre revolucionária – este é o nosso grito mais profundo e constante”, completou.
Após a missa em Guayaquil na segunda-feira, Francisco voltou a Quito para se reunir com o presidente Rafael Correa e para visitar a catedral da cidade.
O encontro entre o papa e o presidente durou cerca de uma hora e foi realizado em privado. Os dois líderes saíram da reunião sorrindo e cumprimentaram, juntos, a multidão na famosa Praça Grande, de Quito.
Em entrevistas antes da visita do papa, equatorianos expressaram preocupações principalmente sobre a decisão de Rafael Correa de permitir a extração de recursos minerais em uma reserva natural internacionalmente reconhecida na fronteira do país com o Peru.
A visita de Francisco continuou na terça-feira à tarde com duas reuniões: uma com alunos da Universidade Católica da cidade e outra com membros de grupos da sociedade civil.
Um dos participantes destas reuniões disse esperar que o papa aproveite a oportunidade para falar sobre as famílias equatorianas que optaram pela emigração, mas que foram mortos ou desapareceram.
William Murillo Vera, ex-ministro do governo equatoriano e que agora atua como porta-voz para 109 famílias que se encontram nessas condições, disse que espera receber, pelo menos, uma pequena bênção para repassar às famílias.
“Estas famílias nunca perderam a fé, nunca”, disse Murillo, que falou também que a maioria dos familiares ficaram para trás ao tentar entrar nos EUA. “Uma bênção do papa, que é o que estou pedindo. Assim, pelo menos eu posso dar a essas famílias um pequeno sinal de esperança”.
A visita do Papa Francisco ao Equador também incluiu uma série de toques pessoais comoventes.
O Papa almoçou com uma comunidade jesuíta em Guayaquil na segunda-feira e, no final da tarde, fez uma aparição não programada no lado fora da nunciatura apostólica de Quito, onde ele está hospedado, para desejar à multidão reunida uma boa-noite.
O papa também tem usado uma cruz de madeira pastoral especial durante suas missas, a qual o porta-voz do Vaticano Federico Lombardi, disse ser uma réplica de uma cruz feita para ele por um grupo de prisioneiros italianos.
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No Equador, Francisco pede por liberdade e pela unidade latino-americana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU